Os textos que a seguir se reproduzem venceram o concurso literário promovido por este jornal na sua primeira edição deste ano lectivo e foram escritos por alunos do 3.º CEB. Subordinados ao provérbio "Nem só de pão vive o homem", os contos foram premiados por ano de escolaridade.
– Mãe, ouve-me!
– Mãe, mãe! Vê o desenho que te fiz! Não está lindo?! – esta era a frase que Guilherme dizia sempre que a sua mãe chegava a casa, mas, por mais vezes que a proclamasse, a sua mãe nunca lhe dava ouvidos.
Guilherme era uma criança de nove anos de idade, filho de mãe médica e de pai advogado. Raramente estava com os pais devido às suas profissões e, quando estava com eles, parecia que era um “objecto” invisível. A única pessoa que lhe parecia dar ouvidos era a empregada da casa, Rosalina. Guilherme não ia à escola, como os outros miúdos normais, pois os seus pais achavam que Guilherme era uma criança muito delicada para conviver com “brutamontes e mal-educados”, designação que os pais atribuíam aos colegas de Guilherme, se assim lhes podemos chamar.
Se havia coisa que Guilherme detestava era ter aulas em casa com um professor que não tinha jeito para dar aulas e que a meio das lições adormecia, mas, como tinha esperança de ser alguém na vida, tinha de estudar e esforçar-se ao máximo para provar aos pais que podia frequentar uma escola pública. Certo dia, já as suas lições tinham acabado e já o professor Joaquim se tinha ido embora, quando Guilherme pediu a Rosalina:
– Rosalina, podes brincar comigo?
Rosalina hesitou por instantes, pois a sua função era exclusivamente “– Limpar toda a casa e não atrapalhar o menino!”, tal como os patrões tinham definido, mas, como tinha bom coração e gostava de Guilherme como se fosse seu filho, respondeu com entusiasmo:
– Com muito gosto, menino!
As horas iam passando e Rosalina não se apercebia destas a passar, até que a mãe de Guilherme entrou em casa e gritou:
– Rosalina! Onde estás tu?! Preciso de ti, JÁ!
Ao ouvir a patroa gritar por ela, Rosalina saiu do quarto de repente e correu até à cozinha, onde já estava a patroa à sua espera. Guilherme desceu as escadas rapidamente para dar um beijo à sua mãe e informá-la de que naquele dia não tinha feito nenhum desenho ou algo parecido, quando ouviu a discussão entre a sua mãe e a pobre empregada:
– Que estavas a fazer junto do meu filho? Já não te disse que a tua função é EXCLUSIVAMENTE LIMPAR A CASA?
– Sim, a patroa já me disse, mas o menino estava tão triste que resolvi ir brincar com ele, e não dei pelo tempo passar... Peço desculpa, eu prometo que nunca mais irá acontecer! – exclamou a empregada com ar aflito.
– É verdade, nunca mais vai voltar a acontecer... porque está despedida!
Quando a “Dr.ª Adelaide” disse aquela frase, parecia que o coração de Guilherme tinha saído do seu peito e que a sua barriga ia explodir. A única coisa que conseguia ouvir era o choro de Rosalina e as suas lamentações. Sentiu que algo estava incorrecto e correu para o seu quarto a chorar. A sua mãe apercebeu-se e de imediato correu atrás dele.
– Guilherme, querido, o que se passa? Fala com a mãe! Partiste algum boneco de que tanto gostavas, foi isso? Não te preocupes, a mamã compra outro! – foi aqui que se ouviu o estrondo da porta e Guilherme ganhou coragem para dizer:
– Não, não foi isso! Fui eu que perdi a minha verdadeira mãe apenas por ela estar a brincar comigo e a dar-me atenção, algo que nunca recebi dos estranhos que vivem comigo e que me chamam “filho!”
Aquelas palavras pareciam terem vindo de um adulto a falar! Como era possível uma criança de nove anos sentir e exprimir tal coisa? É verdade, apesar de Guilherme ter todos os brinquedos do mundo, toda a alta tecnologia, as melhores roupas de marca do mundo e tudo do bom e do melhor, faltava o mais importante para o crescimento de uma criança: o amor, o carinho, a dedicação, a atenção... E, isso, só Rosalina é que alguma vez lhe tinha dado. Lá diz o provérbio: “ Nem só de pão vive o homem!”
Maria Francisca de Carvalho Nogueira Ramos Henriques, 7ºA, Nº12.
Céu matinal
Numa das muitas savanas africanas, vivia Sara com os seus familiares. Trabalhava infeliz todos os dias para ter de que comer. Tinha apenas dez anos.
Era apenas mais uma criança daquela aldeia, todas elas trabalhavam. Não havia escola na aldeia.
Os meses passavam. Estava cada vez mais farta de ter de trabalhar. Só queria divertir-se e brincar um pouco.
Um dia, decidiu ir dar um passeio pela savana. Depois de algum tempo a caminhar, ouviu um barulho que a assustou. Escondeu-se detrás de uma rocha e observou. Viu uma família de leões. As crias brincavam junto à leoa que as observava com ternura.
Por entre um arbusto, apareceu um leão com uma zebra ensanguentada entre os dentes. Partilhou-a com a sua família e deitou-se junto dela, protegendo-a das hienas que rondavam o local.
Ao ver isto, sentiu-se invadida por uma onda de tristeza, ninguém a protegia nem lhe dava amor. Afastou-se, andando vagarosamente e cabisbaixa.
Encontrou uma lagoa. Sentou-se na erva seca e olhou para a água reluzente da lagoa. O que podia ela fazer para alterar aquela situação? Será que conseguiria alterá-la, mesmo que tentasse? Tinha a certeza de que nada mudaria.
Moscas esfomeadas pousavam-lhe no braço e nas pernas, mas ela nem se mexia. O calor era sufocante e não conseguia pensar em mais nada além daquilo que tanto a atormentava. Uma dor no peito fê-la chorar. Não queria sofrer mais. Decidiu então partir pela manhã.
O céu estava tingido por uma cor límpida e suave, o sol ainda não tinha nascido, contudo as estrelas já há muito haviam desaparecido por entre a luz do céu matinal.
Sarah estava pronta para partir. Pegou então nuns embrulhos com comida dentro e partiu. Era o mais acertado a fazer. Não havia escolha.
Passou perto do lago, penetrou numa pequena floresta e viu que o sol ia subindo no céu à medida que o tempo passava.
O dia ia já a meio. O cansaço fê-la parar. Comeu o que continha um dos embrulhos e adormeceu no meio da planície.
Ao aperceberem-se do desaparecimento da filha, os seus pais correram a aldeia toda à procura da Sarah. Como não a encontraram, decidiram então pedir ajuda aos aldeões e começaram a procurá-la. O seu desaparecimento estava a deixá-los preocupados, a savana era um local perigoso.
Encontram-na poucas horas após o início da busca. O seu corpo estava já sem vida. Um leopardo rondava aquela área e tinha aproveitado, enquanto Sarah dormia, para a devorar.
Ao verem a filha assim, os pais começaram a chorar, perguntando-se porque tinha ela fugido. Tinha comida e onde dormir. Que outra razão haveria para ela não se sentir feliz?
Um dos irmãos de Sarah aproximou-se. Sorrateiramente, disse-lhes ao ouvido:
- Nem só de pão vive o homem!
Frase que fora proferida demasiado tarde.
Diana Andrade Palheiro, 8º A, Nº6
Nem só de pão vive o homem
O sol estava a pôr-se. Pairava uma brisa fresca, e suave. Estava prestes a anoitecer. Ia ser outra daquelas noites frias em que mal se consegue pregar olho, reflectia o Sr. Antunes, enquanto olhava atentamente o céu, tentando ver qual a estrela que surgia primeiro no vasto céu. Deitado sobre um banco, situado no centro do jardim da cidade, nada faria com que ele desviasse o olhar por um segundo que fosse. Toda a realidade era esquecida durante aquele momento mágico em que milhões de luzinhas, vindas do infinito, iam surgindo pela escuridão a dentro.
Passaram vinte minutos, quando uma espécie de “flash” trouxe o Sr. Antunes à realidade. O banco feito de ferro e madeira fraca era frio. Além do mais, Antunes apenas apresentava umas calças remendadas aqui e além e uma fina camisa rosa choque. Precisava de um sítio minimamente quente para passar a noite, reflectia. Dirigiu-se então até à central de camionagem e logo se deixou adormecer num pequeno banco. Passada a noite, Antunes acordou um pouco sobressaltado no meio de uma multidão. A central estava a encher. Pegou no seu saco e foi-se embora. O sol estava em brasa e Antunes dirigiu-se até ao café do costume. Já era o “vagabundo” habitual. Lá, as correntes de ar lá eram frequentes e sabiam bem! Isto fazia com que passasse todo o dia por aquelas bandas. Antunes passeava vagarosamente para a frente e para trás, não se deixando incomodar por tosses despropositadas. Não havia gente que não se manifestasse por causa do seu mau aspecto! Em tempos, ele tinha sido um professor. Um bom emprego, uma boa casa, uma vida… Até ao dia em que a vida lhe pregara uma partida. Desde então que vivia por aqueles lados.
O relógio da torre bateu as cinco horas da tarde. Fazia já dois dias que Antunes não comia nada. O rangido da sua barriga era cada vez maior e mais perturbador. Um pouco de pão cairia bem, pensava ele. No entanto, havia algo de importante que faltava. Dinheiro. Aquela coisa que ele considerava horrenda. Aquilo que é capaz de fazer pessoas matarem-se. Aquilo que tanto traz alegrias como tristezas, felicidades e infelicidades. Não tardou a cair para trás. O seu organismo magro e pequeno não conseguiu resistir. O empregado do café logo procurou encontrar Afonso. Afonso tinha sido aluno de Antunes e mostrava ser uma pessoa que se preocupava com o bem-estar dele. Não tardou a ser avisado. Logo correu em seu auxílio. Antunes não tardou a acordar nos braços de Afonso.
– Desta vez vai comer comigo. O “não” é uma palavra que não consta no meu vocabulário – disse Afonso.
E Antunes não teve outro remédio senão ir com o seu antigo aluno, que agora se tornara um Homem com princípios bem definidos e consolidados.
– O dinheiro, meu ilustre Afonso, o dinheiro. Antes as pessoas apenas queriam saber de pão. Tendo pão na mesa, conseguia-se encher a barriga. E a da mulher. E a dos filhos. E a do resto da família. O que é que agora tu fazes com um bocado de pão? E mais importante ainda, quem é que agora trabalha para ter um pouco de pão no final do dia? O que é que se faz sem algum dinheiro? Nada, com certeza. Todos se preocupam em ter mais dinheiro que o vizinho… Ainda que se viva um período de crise, nós vivemos iludidos que estamos bem e que vamos continuar bem. Meu amigo, é pena que as pessoas abram os olhos tarde de mais. Que só abram os olhos quando se encontram sem nada e sem ninguém…
Afonso não disse nem uma palavra, mas, por dentro, estava com um nó tão grande…
Finalmente tinha percebido que “nem só de pão vive o homem”.
André Fonseca, nº1, 9º B